quinta-feira, 3 de julho de 2014
O direito à identificação nominal de identidades social e politicamente constituídas
No presente texto, procuro apresentar, possíveis, formas de inclusão social das identidades legal e politicamente constituídas dentro do movimento social organizado e da sigla LGBT. LGB = orientações sexuais minoritárias e T = identidades de gênero divergentes do sexo designado no nascimento (travestis, mulheres transexuais e homens trans).
O que tem constituído de fato e prioritariamente a luta da sigla T, neste sentido aqui identificadas como pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans) dentro deste movimento social e politicamente organizado (LGBT) é o uso e o respeito ao nome social (nome pelo qual tais pessoas preferem e desejam ser chamadas/identificadas cotidianamente, refletindo sua real identidade de gênero, em contraposição ao nome atribuído em registro civil de nascimento), em todos os setores da sociedade e a retificação (ou mudança) do prenome, sinalizando isto para avanços e limitações, e, identificando uma “inclusão”, marcada pela incompletude e caráter, meramente, precário e paliativo. O que caracteriza tal batalha é a afirmação por uma identidade, politicamente já constituída, e a busca pela cidadania que vem, por decorrência, seguida da mesma. A identificação por um nome que comum e diariamente é usado por tal população, lhes confere, acima de tudo, dignidade e auto afirmação social, dentro de uma sociedade cisnormativa e preconceituosa.
As trans identidades sempre foram consideradas, tanto para a medicina quanto para a psicologia, como fenômenos complexos; não existindo delimitações marcadas entre a travestilidade e a transexualidade, fora, apenas, algumas definições clínicas. Muitas, no gênero feminino, nem mesmo sabem como definir-se, se como travesti ou mulher transexual e, isso muitas vezes acontece de forma situacional. Dependendo do lugar e da situação tal pessoa identifica-se, ou apresenta-se, com uma das identidades. Tal situação não é visualizada ou encontrada em meio ao grupo de ativismo do gênero masculino, pois os mesmos apenas identificam-se, social e politicamente, como homens trans
O discurso atual sobre as trans identidades na sexologia, na psiquiatria e em parte na psicanálise faz desta experiência uma patologia – um “transtorno de identidade” — dada a não-conformidade, da ótica médica-clinica, entre sexo biológico e gênero.
Pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans), no Brasil, ao sentirem-se incomodadas e incomodados pelo fato do não pertencimento ao seu sexo/gênero de nascimento, buscam por modificações corporais intensas, tais como injeções e ingestão de comprimidos de hormônios (femininos ou masculinos), aplicações de silicone líquido industrial, no casa das travestis e mulheres transexuais, e, outras cirurgias plásticas, encontrando, nesses métodos, alguns ilegais, uma forma, mais atrativa, do ponto de vista cisestético naturalizante, de adequar corpo e mente. Por conta disso não têm como ocultar sua verdadeira identidade de gênero por trás de biombos ou dentro de “armários” sociais.
Essa “(in)visibilidade” é praticamente obrigatória a partir do momento em que sentem o desejo de assumirem-se pública e socialmente. E para aquelas e aqueles cuja, as fluências, as alianças e os conflitos entre essas “identidades” social e politicamente construídas e constituídas está revelada no corpo como uma cicatriz estigmatizante de seu gênero de nascimento e, que não podem estar omitidos sob qualquer disfarce cisnormativo, o qual é o causador maior do preconceito (transfobia) e da violência que sofrem no seu cotidiano.
Em face do simples fato de simplesmente existir, essa discriminação e violência diária, a que estão sujeitas e sujeitos é muito maior e mais cruel, somente devido a sua Identidade de Gênero, Comportamento e Diversidade/Orientação Sexual o que as afasta do convívio escolar e sócio-familiar diário, iniciando este processo de exclusão, na grande maioria das vezes, já na segunda infância.
Para boa parte da sociedade cisnormativa e fundamentalista, que faz de conta que pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans) não existem, ou não deveriam existir, os(as) mesmos(as) deveriam estar, tão somente, relegadas e destinadas ao descaso, ao abandono, à marginalidade e a prostituição; não que a prostituição seja algo degradante ou humilhante para exercício funcional de qualquer pessoa, não! Mas para essa grande parcela de cidadãos e cidadãs brasileiras(os) era só o que deveria acontecer.
As trans identidades não são um fenômeno descoberto nos tempos modernos, mas é uma variação do gênero humano que ocorre naturalmente e que foi observada e documentada desde a antiguidade. Em muitas culturas, como as das antigas tribos indígenas norte-americanas, mulheres trans (travestis e transexuais) já podiam escolher vestir-se e viver como outras mulheres, inclusive casarem-se com homens. Do mesmo modo, a transformação cirúrgica da genitália, com o fim de aliviar uma “disforia” intensa de gênero não foi inventada no século XX. Em algumas culturas, inclusive as mais antigas, muitas mulheres transexuais têm preferido submeter-se a CRS, como maneira de “mudar o sexo”.
As trans identidades sempre se apresentaram como uma área nebulosa, quase inexplorada da sexualidade humana e significa que há uma transposição na correlação do sexo de nascimento e do sexo psicológico, ou seja, a pessoa tem o corpo de um determinado sexo, porém sente-se pertencer ao sexo oposto. Exemplificando, uma mulher trans (travesti ou mulher transexual) nasce identificada com um determinado sexo biológico: masculino, porém sente-se real e psicologicamente como pertencente ao sexo/gênero feminino desde a infância. E, por diversos motivos e fatores, esse sentimento é muitas vezes mantido em segredo por muito tempo, o que causa um profundo desconforto psíquico e social.
O mesmo se dá com um homem trans, que se sente intima e psicologicamente como no sexo/gênero masculino, um homem, também desde a infância. Sua imagem interna de si mesmo não coincide com a sua aparência física (vulva, vagina, clitóris, etc.).
Em ambos os casos, a pessoa possui um sexo psicológico equivalente a imagem ou esquema corporal, que difere do sexo de nascimento.
Mulheres transexuais e os homens trans em geral negam, não aceitam e constrangem-se ao falar, ver, tocar ou serem tocadas em sua genitália. É raro sentirem prazer com tal, quer seja na relação sexual ou na masturbação, que mesmo quando acontece, evitam o toque e usam de meios criativos para alcançar o orgasmo. Este é um dos fatores que diferem as travestis, pois as mesmas, aceitam sua genitália como algo que as torna "mulheres" diferentes e parte do fetiche social/sexual, não se sentem constrangidas em falar, tocar, ver ou serem tocadas em sua genitália e isso faz parte do modo como obtém seu prazer sexual.
Notadamente a população das travestis vive em um contexto sui generis do ponto de vista da lógica social dominante. Elas, com seus trejeitos, suas peculiaridades, acabam por denunciar a hipocrisia reinante na sociedade cisnormativa. Segundo seus relatos, elas “vão trabalhar” a serviço de homens heteroeróticos. Em sua grande maioria, casados, pais de família, mas que nutrem a fantasia de “deitar-se com uma mulher que os domine” ou então, “transar com uma mulher fálica”.
Travestis e mulheres transexuais não são homens gays afeminados que querem ser, ou apenas vestem-se como mulheres, assim como homens trans não são mulheres lésbicas masculinizadas que querem ser, ou apenas usam roupas de homens; social, política e psicologicamente já são.
Usualmente pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans) apresentam uma sensação de desconforto ou impropriedade de seu próprio sexo de nascimento e, desejam fazer uma transição de seu gênero de nascimento para o gênero oposto com alguma ajuda médica (Processo Transexualizador).
As trans identidades não são uma perversão e sempre envolvem um desconforto, podendo causar um certo tipo de transtorno social, na identidade de gênero, imposta pelo núcleo, único e meramente cisnormativo, família/escola/sociedade.
As trans identidades são também chamadas de “cisão entre o sexo morfológico e o psicológico, uma personalidade feminina em um corpo (sexo) masculino - anima mulieris in corpore virile inclusa“, ou vice-versa.
De todas as variantes da sexualidade humana, nenhuma é tão complexa e incompreendida quanto as identidades trans constituídas (travestis, mulheres transexuais e homens trans): a desconfortante experiência de nascer com cromossomos, genitais e hormônios de um sexo - mas ter a convicção íntima e pessoal de pertencer ao sexo/gênero oposto.
Desconhece-se até hoje, com exatidão, a etiologia das trans identidades. Dentre os vários posicionamentos que se colocam em estudo, elaborados no intento de explicar a psique humana, destacam-se algumas teorias, entre elas: a hormonal, a genética, a fenotípica, a psicogênica e a eclética.
A teoria hormonal propõe que a organização do cérebro dependeria da atuação dos
hormônios sexuais em períodos críticos do desenvolvimento pré-natal.
O estudo da teoria genética supõe que haja um gene no cromossomo sexual especificamente destinado a identificar e sentir o gene masculino ou feminino, sendo que esse gene sexual se acha intimamente ligado ao cromossomo Y do macho e a um ou ambos os cromossomos X da fêmea.
A teoria fenotípica atribui tal origem ao biótipo do indivíduo cuja conformação anatômica feminóide, ginóide, ginoandróide ou androginóide induziria, com o seu estigma, o desabrochar do quadro.
Na teoria eclética todos os fatores mencionados anteriormente atuariam ou interfeririam no surgimento e na das trans identidades. Haveria causas hormonais, genéticas, fenotípicas e psicogênicas, cuja atuação conjunta levaria ao quadro trans identitário.
Pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans) são pessoas que acreditam que sua identidade social e de gênero não é a mesma ao sexo atribuído em seu registro civil de nascimento e sentem-se intimamente, ou melhor, são convictas social e psicologicamente de que pertencem ao Sexo oposto ao seu e que houve discordância na pré-determinarão genética de seu sexo biológico.
O termo transexual foi primeiramente usado por David O. Cauldwell em 1949, que referiu-se ao estado em que o indivíduo deseja a mudança do sexo como Síndrome da Psicopatia Transexual. Entretanto, foi o médico Harry Benjamin, em 1953, o pioneiro do uso da palavra Transexual e, também, no tratamento desses indivíduos, considerando a Pessoa Transexual como hermafrodita-psíquico.
O termo Travesti (do latim “trans”, cruzar ou sobrepassar, e “vestere’’, vestir) tem origem na língua francesa: Travestie e referia-se à forma de se vestir em casas de espetáculos na França onde mulheres se apresentavam com roupas pequenas, sensuais e provocantes a partir do século XV. Na língua inglesa o termo preferido é transvestite que foi cunhado a partir dos estudos do sociólogo e sexológo judeu-alemão, Dr. Magnus Hirschfeld, que publicou a obra, em 1910, (“Die Transvestiten: eine Untersuchung über den erotischen Verkleidungstrieb”) “Os Travestidos: uma Investigação do Desejo Erótico por disfarçar-se” para descrever a um grupo de pessoas que de forma voluntaria e frequente se vestiam com roupas comumente designadas ao sexo oposto.
A Cirurgia de Redesignação Sexual (CRS) (Sex Reassignment Surgery – SRS, em inglês) é o termo usado para os procedimentos cirúrgicos pelos quais a aparência física e a função das características genitais e sexuais de uma pessoa são mudadas para aquelas do sexo oposto desejado. É parte do acompanhamento clínico dentro Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS) para mulheres transexuais e homens trans.
Os termos comumente usados "mudança de sexo" ou "operação sexual" são considerados imprecisos, ou melhor, são incorretos.
Para mulheres transexuais (MtF — Male to Female, de masculino para feminino, em inglês), a Cirurgia de Redesignação Sexual envolve essencialmente a reconstrução dos genitais, além de outros procedimentos: terapia de acompanhamento psicológico/psiquiátrico (TAP), terapia de reposição hormonal (TRH), acompanhamento social e fonoaudiologia. Porém em certos casos isolados, por diversos fatores, algumas mulheres transexuais decidem não se submeter à CRS.
Para mulheres transexuais, e atualmente, através da a portaria Nº- 2.803, de 19 de novembro de 2013, que incluiu as travestis, a cirurgia de feminilização facial (CFF) e a cirurgia de aumento da mama (CAM), através da colocação de próteses mamárias de silicone, também são passos do processo transexualizador do SUS.
Nos homens trans (FtM — Female to Male, de feminino para masculino, em inglês) ela compreende um conjunto de cirurgias, que incluem: mastectomia, pan-esterectomia, metóidioplastia, neofaloplastia, implante testicular e lipoaspiração. A mastectomia e a pan-esterectomia são freqüentementes os únicos procedimentos que eles se submetem, principalmente porque as técnicas atuais de reconstrução genital para homens trans, no Brasil, ainda não criam genitais com uma qualidade estética e funcional satisfatórias, e, a mesma ainda apenas vista como experimental dentro do processo transexualizador do SUS.
As trans identidades são de interesse multidisciplinar porque abarcam reflexões em diversas áreas. Alguns exemplos podem ser citados a título exemplificativo. A cirurgia é realizada com sucesso graças ao desenvolvimento alcançado pela cirurgia plástica, contudo os profissionais mais habilitados a diagnosticar as trans identidades e o grau de masculinidade ou feminilidade em um indivíduo são os psiquiatras e psicólogos. Uma terapia hormonal é também indicada por um endocrinologista habituado a estes casos. Uma assistente social poderá verificar o meio em que se situa esta pessoa, contribuindo para um melhor relacionamento sócio-familiar. Os profissionais do direito são os que labutam pelo reconhecimento do direito a adequação dos documentos.
As pessoas ligadas às reflexões filosóficas e teológicas indagam: houve um erro da natureza? O que é ser mulher ou ser homem? Se Deus quis que a pessoa viesse ao mundo como homem poderia ela “transformar-se” em mulher, ou vice-versa? Os profissionais que auxiliam nesta terapêutica também não estariam contrariando a vontade divina ou da natureza? O sexo é um componente do corpo ou da alma?
Vale reconhecer que pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans) não desejam tão simplesmente mudar de nome e sexo/gênero. Seus anseios são de serem reconhecidas e reconhecidos como pertencente ao sexo/gênero oposto ao da sua genitália de nascença, por ser o mais adequado a sua saúde global. Esta adequação lhe é imposta de modo irresistível, escapando ao seu livre-arbítrio. Portanto, não devemos considerar o sexo apenas como um conjunto de caracteres físicos, genéticos; devemos a estes também agregar os caracteres psicológicos.
Pessoas Trans (travestis, mulheres transexuais e homens) desejam, na sua grande maioria, submeterem-se a um acompanhamento hormonal para adequar seu corpo ao sexo psicológico, porém nem todas optam por realizá-lo, e, as razões, pelas quais, uma pessoa trans (travesti, mulher transexual ou homem trans) decide não fazer a terapia de reposição hormonal, variam de pessoa para pessoa, mas podem ser, por exemplo, problemas de saúde, medo de discriminação, crença religiosa ou ideológicas, etc.
Antes de começar o acompanhamento hormonal, é importante realizar testes para checar os níveis hormonais no sangue, a funcionalidade do fígado, níveis de lipídios, glicose, pressão sanguínea, contagem de células vermelhas, brancas e plaquetas. Isto é importante para evitar que quaisquer problemas de saúde pré-existente sejam despertados ou piorados devido a hormonização. Acompanhamento médico e psicológico são imprescindíveis ao se realizar Hormônioterapia. Auto-medicação pode causar sérios efeitos colaterais, que podem inibir os efeitos desejados e até levar a morte.
Homens Trans realizam tratamento hormonal através do uso de testosterona; enquanto travestis e mulheres transexuais utilizam estrogênios conjugados e antiandróginos.
O direito à saúde é tutelado pela Constituição Federal brasileira e implica no direito à busca do melhor e mais adequado tratamento para o problema. Compondo o rol dos direitos da personalidade, amparada pelo disposto no art. 5º, X, da Constituição Federal, que dispõe: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A questão acaba sendo objeto de decisões específicas no judiciário, que intentam a defesa da dignidade da Pessoa Transexual, embora, contudo, não tenha sido criado um amparo legal para os demais casos similares.
A busca pelo equilíbrio corpo/mente das pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans), por meio da adequação de sexo e do nome junto ao Registro Civil, tem por base os direitos: ao próprio corpo, à saúde (art.s 60 e 196 da Constituição Federal) e, principalmente, à identidade sexual, como parte do direito à identidade pessoal, assim incluído como direito da personalidade. Torna-se importante ressaltar que o direito à saúde estipula que, em caso de patologia, cada indivíduo possui o direito a um tratamento em conformidade com as condições atuais da medicina, não atrelado a sua condição financeira, visto que inscrito como direito/dever do Estado.
No caso em questão, significa reivindicar o bem estar geral, psíquico, físico e social o qual contribuirá para o desenvolvimento da sua personalidade, superando a angústia experimentada com a imposição de uma genitália repulsiva, dissociada da sua verdadeira identificação.
O direito à saúde integral, que inclui, também, a cirurgia de readequação de sexo ou transgenitalização é de natureza terapêutica, devendo, portanto receber do direito, da enfermagem, da medicina, da psicologia, etc, sua contribuição para a diminuição do sofrimento das pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans). Estes desejam ver e ter seu direito à saúde e à cidadania respeitados, visto que merecem viver com dignidade exercendo seus direitos e cumprindo seus deveres sem sujeições ou menosprezos.
Vivemos em uma democracia onde os direitos das minorias devem ser considerados e validados. Não podemos nos apegar à pré-conceitos ultrapassados, bem como em tabus infundados. Devemos facilitar e contribuir para uma convivência harmônica entre as pessoas, sejam elas CIS ou TRANS.
Os direitos à saúde e à cidadania das pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans) devem ser acatados e respeitados, pois estas merecem, como todos os demais cidadãos brasileiros, viver com dignidade, sem sofrer quaisquer constrangimentos. A vivência em uma sociedade democrática deveria facilitar e contribuir para uma convivência harmônica entre as pessoas sejam elas diferentes ou não.
Devemos levar em conta que os resultados dos questionários de psiquiátricos demonstram que pessoas tran (travestis, mulheres transexuais e homens trans), estão notoriamente livres de qualquer psicopatologia, tais como esquizofrenia, trastorno obsessivo-compulsivo ou trastorno bipolar. É, então inútil insistir que a pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans) representam um capricho, um modismo, uma fase transitória ou a perversão de uma identidade social. Muito pelo contrário, há cada vez mais necessidade de estudos sérios para se poder oferecer acompanhamentos/tratamentos multidisciplinares e globais para a saúde pública e coletiva, a fim de melhorar a qualidade de vida dessas pessoas.
O estudo das trans identidades incluem-se nos questionamentos das ciências jurídicas, políticas e sociais pelo fato de abranger questões como a dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais da pessoa/cidadã trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans), bem como a licitude e a eticidade da intervenção cirúrgica. Além disso, o direito à autonomia acerca da disposição do próprio corpo, não extingue as indagações sobre a possibilidade de o médico realizar a retirada de órgãos humanos que não apresentem nenhuma patologia aparente, o que suscita a necessidade de um regramento sobre a quem caberia tal decisão e quais os critérios psicológicos, médicos e jurídicos a serem seguidos.
As trans identidades encontram vários problemas na esfera jurídica, tanto no que se refere à adaptação ou não do nome e do sexo no registro civil e das repercussões desse fato para o direito de família. Embasa-se, contudo, nos direitos à integridade física do indivíduo e à dignidade, com o intuito de preservar sua saúde, seu bem-estar físico, psíquico e social, o que somente é possível com a adequação do sexo de nascimento ao psicológico do indivíduo e a consequente retificação do seu registro civil.
Torna-se importante ressaltar o papel dos princípios da justiça e da igualdade, pois a legislação brasileira deve buscar formas de regularizar efetivamente a situação das pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans) como um todo, por meio da aprovação do projeto de lei 5.002/2013, lei Identidade de Gênero, que dispõe sobre o direito à identidade de gênero e altera o artigo Nº 58 (O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios), da Lei 6.015/1973, lei de Registros Públicos. No que tange à legalidade à saúde integral, e, da CRS, ela é autorizada pelo CFM desde 1997.
Ademais, não existem dispositivos legais no ordenamento jurídico brasileiro que a proíbam, visto que seu objetivo é a readequação do sexo de nascimento ao sexo psicológico da Pessoa Transexual, assegurando sua melhor aceitação pessoal, social e profissional, contribuindo para a melhora de sua saúde, bem estar social e qualidade de vida.
Portanto, o processo transexualizador do SUS, que objetiva a melhoria da qualidade de vida das pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens), através de acompanhamento psicológico e hormonal adequado, deve receber maior atenção nas áreas de direito, medicina, psicologia, serviço social, entre outras, para que seja alcançada a diminuição do “sofrimento” e da discriminação social dessas pessoas.
Ignorar a desconfortante circunstância social vivida pelas pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans), no dia-a-dia, sugere infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no inciso III do art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Nesse sentido, cabe aqui citar o art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948): “[...] todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade.”
É essencialmente oportuno, na atual conjuntura política nacional, que sejam dados espaços, voz e, sobretudo, também priorizar a luta pelos direitos civis e humanos e o reconhecimento identitário da população de pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans) no Brasil. Haja vista de que nosso país vizinho a Argentina que com a aprovação de sua lei de identidade de gênero, em 2012, contabilizou que mais de 3.000 (três mil) pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans), tiveram suas identidades de gênero reconhecidas legalmente. O qual resultou na queda aparente dos crimes de ódio contra a tal população. E, como todos bem sabem, há uma grande e bem clara relação entre a cidadania e a isonomia de direitos civis.
Quando uma pessoa não tem sua identidade de gênero legalmente reconhecida, a mesma é como um imigrante ilegal em seu próprio país, pois fica proibida de desfrutar de grande parte dos direitos e liberdades básicas e fundamentais e, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Não quero com este artigo público, de forma alguma, causar qualquer tipo de transtorno, conflito, contenda, racha ou desapartamento político social. Espero, tão somente, que se abra e mantenha-se um diálogo construtivo, pacifico, afim de forma inteligente e coesa, acolher tão importante demanda política social para a população de pessoas trans (travestis, mulheres transexuais e homens trans) brasileira. E, por ser uma demanda específica da atualidade, cujas transações vão se amoldando, e por ser um trabalho de metodologia introdutória, e, que ainda há muito a ser avaliado.
“A capacidade de fazer existir em estado explícito, de publicar, de tornar público, quer dizer, objetivado, visível, dizível, e até mesmo oficial, aquilo que, por não ter aderido à existência objetiva e coletiva, permanecia em estado de experiência individual ou serial, mal-estar, ansiedade, expectativa, inquietação, representa um considerável poder social, o de construir os grupos, constituindo o senso comum, o consenso explícito de qualquer grupo.” (Pierre Bourdieu, O Poder Simbólico, pág 142.)
São Paulo, 03 de julho de 2014.
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